Não basta uma pesquisa em acervos de imagens para encontrar representações históricas de amores e corpos que desafiavam a heteronormatividade branca vigente. Nestes quase dois séculos desde a invenção da fotografia, são raras as imagens de pessoas negras em momentos de descontração e felicidade, assim como de casais homoafetivos. Partindo dessa ausência, a artista visual baiana Mayara Ferrão tem permitido novas narrativas ao criar, com a utilização de Inteligência Artificial, imagens que retratam os afetos entre mulheres negras e indígenas, em diversos cenários, momentos que não tiveram oportunidade de serem registrados à época.
“Álbuns de Desesquecimentos”, como é chamada a série de fotografias, busca preencher lacunas históricas em relação às mulheres negras, em particular mulheres lésbicas, que, mesmo quando conseguiam professar seu amor, não tinham direito ao registro. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Mayara, que é bacharel em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia, falou sobre o incômodo em relação à representação histórica de pessoas negras.
“O que mais me incomoda são os olhares vazios, de desumanização e desesperança. Isso quando as pessoas eram representadas, porque muitas vezes elas nem existiam. Os fotógrafos frequentemente não pediam autorização alguma para documentar os corpos negros e originários, retratados como bem entendiam”, disse ao jornal.
Segundo Mayara, a Inteligência Artificial, no início, não conseguia gerar imagens antigas de pessoas negras felizes ou sorrindo, e ela precisou “treinar” a tecnologia, fornecendo as referências desejadas e criando uma espécie de banco de dados. O trabalho minucioso da artista tem conquistado reconhecimento do público e do mercado artístico. Nesta quinta-feira (28), ela participará de um Ateliê Aberto na Pivô Salvador, em Nazaré, das 17h às 21h, como finalização de sua residência artística na instituição.
Desde junho, a artista está em exibição no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB), na mostra “Raízes: começo, meio e começo”, em Salvador, e participará da exposição “Histórias da Diversidade LGBTQIA+”, que o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) inaugura em dezembro.