Se fosse necessário pontuar os momentos chave em que a música de Salvador e do Carnaval se tornaram um fenômeno cultural e, por consequência, extraterritorial, seriam as datas de criação do Filhos de Gandhy, há 76 anos, e do Ilê Aiyê, há 51 anos, primeiro afoxé e bloco afro do planeta, respectivamente. A partir das matrizes rítmicas afro-brasileiras, construídas nos terreiros de candomblé, foram gestados os sons que dariam forma ao que se entende por música baiana.
Para celebrar o que foi iniciado pelo Ilê e pelo Gandhy e expandido pelo Olodum, Malê Debalê, Muzenza, Didá e Cortejo Afro, o álbum Mundo Afro foi lançado nesta semana em todas as plataformas digitais, com gravações destes sete grandes representantes da cultura e do Carnaval de Salvador. O álbum pode ser escutado aqui.
Com três músicas de cada instituição, o álbum reúne, através das 21 faixas, a história, a potência e a intensidade do trabalho de blocos afros e afoxés. Gravado na sede do maior balé afro do mundo, o Malê Debalê, em novembro de 2024, a iniciativa tem produção musical de Alê Siqueira, que afirma que o disco apresenta “um panorama do universo percussivo afro-baiano, com toda sua pluralidade, diversidade, polirritmias, porque cada bloco tem sua própria linguagem.”
O repertório do Ilê Aiyê presente no disco foi escolhido a partir de temas, como a força e resistência feminina e o poder do bairro Curuzu, com Nzinga Brasileira, Matriarca do Curuzu e Filhos do Barro Preto. “Em Nzinga, a gente faz uma exaltação à grande Lélia Gonzalez, grande militante do movimento negro brasileiro, educadora e pensadora também das questões das mulheres. Já Matriarca, composição de Paulo Natividade, é uma biografia de Mãe Hilda Jitolu, com a trajetória dela dentro do candomblé, os terreiros que ela abraçou e como foi a constituição do seu próprio terreiro”, conta Mário Pam, mestre da banda do Ilê Aiyê.
Já o Olodum lançou músicas inéditas. Para Elpídio Bastos, diretor musical do grupo, o projeto é um registro da história afro-baiana da Bahia para o mundo. “Nós estamos trazendo o nosso registro de base africana, de voz, de percussão, de tudo o que acontece nos ensaios do Olodum. Acho que a importância de maior valor é, realmente, pelo fato de estarmos registrando e resgatando essa questão da música percussiva com voz, como tudo surgiu.”
Plataformas digitais
Mundo Afro também marca uma presença mais pujante das sete instituições nas plataformas digitais. As décadas de 80 e 90 foram os anos em que os blocos afros e afoxés estiveram mais presentes no mercado fonográfico, com o lançamento de LPs que permitiram a veiculação das músicas. Reunir em um só álbum canções das sete mais importantes instituições afros é uma expansão da arte baiana.
“Esse disco é a continuidade de um vasto material que já existe nas plataformas digitais em ser um espaço de propagação. A música dos blocos afros está nos cinco continentes, não só a música, mas também a estrutura, a concepção de bandas, dos grupos. A gente vai estar transmitindo para o mundo afora a música de Salvador, Bahia, que é uma música enraizada na centralidade africana”, afirma Pam.
Para Bastos, Mundo Afro “pode abrir as portas” para uma maior representatividade e presença dos blocos afros e afoxés no universo digital. “De uma forma diferente, né, apesar de ser digital, nós estamos fazendo os registros de raiz. Então é algo curioso e que pode atrair o público para dar uma sondada um pouco maior”, completa.