Com talento e sucesso em diversas vertentes artísticas – moda, artes visuais, performance e teatro –, Fause Haten, 56 anos, estreia o espetáculo “Eu Sou um Monstro” em Salvador, na próxima quinta-feira (21). Este é o terceiro espetáculo autoral do artista, após “A Feia Lulu” (2014) e “Lili Marlene, um Anti musical” (2017). A peça terá apresentações na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, que Haten considera uma “grande instituição de Salvador” e o local ideal para essa encenação. Os ingressos estão à venda aqui.
“Eu Sou um Monstro” nasceu após Haten assistir a um documentário sobre o irlandês Francis Bacon, em 2018. Inspirado, escreveu um texto que deu origem à performance. Com recursos imagéticos em cena, o artista senta-se à mesa, convidando os espectadores a uma jornada que explora a vida de um pintor, muitas vezes vista sob uma ótica maniqueísta. O espetáculo já foi apresentado no Sesc Pompéia e no Teatro Vivo, em São Paulo.
Haten tem frequentado Salvador com mais assiduidade desde 2018. No ano passado, abriu um ateliê na Rua da Graça, no prédio da antiga Estação Telefônica. Ele afirma ter escolhido a cidade porque desejava que seu trabalho fosse influenciado por ela, algo que tem se concretizado. Em entrevista, o artista falou sobre “Eu Sou um Monstro”, sua relação com Salvador e sua trajetória de décadas no mundo das artes. O espetáculo será apresentado de quinta (21) a domingo (24), às 20h.
IR: Ao longo da sua carreira, você transitou por diversas expressões artísticas: moda, teatro, música e performance. Existe uma conexão entre todos esses trabalhos?
FH: Trabalhei exclusivamente com moda até 2006, quando entrei para a escola de teatro. Do teatro, descobri a performance; da performance, as artes visuais. Tudo aconteceu como uma consequência natural. Hoje, entendo que minha criação se expande para todos os lados. Não me considero mais apenas um estilista; sou um artista que também faz roupas. Meu trabalho nas artes visuais está muito conectado com isso. Por exemplo, “Os afetados”, que desenvolvi em Salvador no início do ano, foi uma performance que resultou em fotos, textos, uma mitologia e até esculturas e pinturas. Quando começo uma pesquisa ou tema, não consigo me limitar a uma única plataforma ou linguagem criativa. Com “Eu Sou um Monstro”, acontece o mesmo. É um espetáculo teatral com elementos de performance, texto autoral e uma série de fotografias que fazem parte do conjunto. Vejo meu trabalho como uma conexão constante entre universos diversos, e a moda, o tecido, continuam sempre presentes – são o material com o qual tenho mais intimidade.
IR: No teatro, esse é seu terceiro espetáculo autoral. Você o considera parte de uma trilogia? Quais as diferenças entre este trabalho e os anteriores?
FH: Sim, considero uma trilogia. Em “A Feia Lulu”, eu subia ao palco em primeira pessoa, interpretando um estilista e contando minha história. Em “Lili Marlene”, de 2017, fiz algo similar, mas com um personagem mais definido: um ator transformista. Agora, em “Eu Sou um Monstro”, interpreto um pintor. Apesar de os personagens variarem – estilista, ator, pintor –, os espetáculos têm semelhanças na forma como escrevo, como me posiciono no palco e recebo o público. Há diferenças sutis de forma, mas, no geral, eles se conectam muito.
IR: De onde surgiu a inspiração para criar “Eu Sou um Monstro”?
FH: A ideia veio em 2018, ao assistir a um documentário sobre Francis Bacon. Eles relataram que, na véspera de sua grande exposição no Petit Palais, em Paris, o namorado de Bacon, um lutador de boxe, tirou a própria vida. Bacon e sua agente decidiram não denunciar o ocorrido para evitar que a exposição fosse ofuscada. Achei essa história absurda e imediatamente escrevi um conto sobre um artista que encontra o namorado morto antes de uma exposição importante. A partir daí, desenvolvi experimentos que deram forma ao espetáculo. A estreia estava planejada para 2020, mas foi adiada por circunstâncias diversas. Curiosamente, acabamos estreando em São Paulo uma semana após a exposição de Bacon no MASP – uma coincidência incrível.
IR: Ao falar sobre o “monstro” e o artista, percebo certa conexão com “O artista está presente”, da Marina Abramovic. O que pensa sobre essa comparação?
FH: Conheço bem o trabalho da Marina, mas não vejo muita similaridade. A performance dela era sobre silêncio e conexão – algo raro em um mundo tão desconectado. No meu caso, conto uma história para alguém à minha frente. Existe um diálogo, ainda que silencioso, muito potente, além da plateia que presencia isso. Talvez haja semelhanças na forma – estamos sentados, há um encontro olho no olho –, mas as pesquisas e os discursos são bem diferentes.
IR: Desde a abertura do seu ateliê em Salvador, sua relação com a cidade tem influenciado seu trabalho?
FH: Estou mais presente na Bahia desde 2018, quando perdi meus pais. Após a pandemia, isso se intensificou. Com o ateliê, meu trabalho ficou mais visível, mas já vinha passando mais tempo aqui. Queria que Salvador influenciasse minha arte, e isso tem acontecido. Um exemplo é “Os afetados”, obra desenvolvida aqui e atualmente exposta no meu ateliê. No entanto, essa performance específica já estava pronta e não sofreu influência direta da cidade.
IR: O que representa para você estar na Sala do Coro do Teatro Castro Alves?
FH: É uma felicidade imensa. Considero o TCA uma grande instituição de Salvador. Já assisti a trabalhos deslumbrantes tanto na Sala do Coro quanto no próprio teatro e na Concha Acústica, que frequento sempre. A Sala do Coro tem uma configuração perfeita para essa performance, e estou muito animado. Não vejo a hora de estrear.
Por Ian Reis